sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

ACORDÃO: Santa Casa da Misericórdia de Gavião

Sumário:
1. Face ao preceituado nos arts. 10,11 e 12 da Concordata de 2004, não se situa no âmbito da jurisdição dos tribunais portugueses a dirimição de litígios situados na vida interna de pessoas jurídicas canónicas, regidos pelo Direito Canónico, aplicado pelos órgãos e autoridades do foro canónico que exerçam uma função de vigilância e fiscalização sobe as mesmas .
2. Os tribunais portugueses apenas são competentes para a aplicação dos regimes jurídicos instituídos pelo direito português - nomeadamente no DL119/83, que institui o regime das Instituições Particulares e Solidariedade Social – quanto às actividades de assistência e solidariedade, exercidas complementarmente pelas pessoas jurídicas canónicas .

3. Está excluída – desde logo, como decorrência do princípio constitucional da separação da Igreja e do Estado - a possibilidade de outorgar a um tribunal ou entidade pública o poder de sindicar um concreto acto ou decisão da competente autoridade eclesiástica no exercício da sua tarefa de vigilância e fiscalização sobre a vida interna de associações constituídas sob a égide do Direito Canónico – no caso, a recusa de homologação do resultado eleitoral para os corpos gerentes de uma Misericórdia, estatutariamente imposta como condição para a investidura - não podendo , por força do referido princípio constitucional, existir zonas de interferência, sobreposição ou colisão entre as competências atribuídas aos órgãos estaduais e as conferidas às autoridades eclesiásticas.

 
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.A Santa Casa da Misericórdia de Gavião intentou contra AA, na qualidade de presidente da mesa da assembleia geral daquela instituição, procedimento cautelar comum, requerendo a intimação judicial da requerida para, no prazo judicialmente fixado, dar posse aos novos corpos eleitos para a direcção daquela instituição, em acto eleitoral não homologado pelo Ordinário Diocesano, fundando-se no direito a ver empossados nas suas funções os membros da lista vencedora e invocando prejuízos decorrentes no atraso da investidura dos corpos sociais eleitos, a acautelar através da medida cautelar requerida.

Deduzida oposição e dirimido o incidente de verificação do valor da causa, foi proferida decisão a indeferir a providência requerida.

Inconformada, a requerente apelou para a Relação de Évora que –revogando a decisão que, na 1ª instância, decretara a improcedência da providência cautelar peticionada – declarou o tribunal comum materialmente incompetente para a causa, considerando que a mesma se situa no âmbito da competência das autoridades eclesiásticas .
2.É desta decisão que vem interposto o presente recurso de revista – importando salientar que ao mesmo é aplicável o novo regime de recursos, aprovado pelo DL 303/07, uma vez que se trata de causa iniciada em Junho de 2008: daqui decorre a qualificação do recurso como «revista», como consequência do desaparecimento da figura do agravo, a vinculação do recorrente ao ónus de alegação conjuntamente com a interposição do recurso, em prazo alargado ( que se mostra cumprido) e a aplicação dos novos valores das alçadas (tendo sido atribuído a esta causa precisamente o valor de €30.000,01 –fls. 522).

Por outro lado, o excepcional acesso ao STJ – já que está em causa decisão proferida num procedimento cautelar – encontra fundamento no preceituado no art. 387º-A do CPC, conjugado com o disposto no art.678º,nº2, al. a), primeira parte, enquanto prescreve que é sempre admissível recurso das decisões que violem as regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia.
Saliente-se que, no caso ora em apreciação, não está apenas em causa um problema de definição da competência em razão da matéria dos tribunais comuns, envolvendo antes uma questão de delimitação do âmbito da jurisdição exercida pelo conjunto dos tribunais portugueses no confronto dos tribunais e autoridades eclesiásticas, decorrente, nomeadamente, da reserva de jurisdição que é feita a seu favor pela Concordata.
3.A entidade recorrente encerra a sua alegação com as seguintes conclusões que - como é sabido – delimitam o objecto do recurso interposto:
1) As pessoas colectivas de direito canónico, como a Recorrente, que se proponham fins de assistência e beneficência, regem-se por duas ordens jurídicas distintas, a saber: na esfera da actividade espiritual, pelo direito canónico; e na esfera temporal, como pessoa colectiva de solidariedade social, pelo direito nacional;

2) Nos presentes autos está em causa o contencioso eleitoral das Misericórdias, sendo que este fica excluído da apreciação do Ordinário Diocesano por força do preceituado no Estatuto das IPSS (Dec.-Lei n.° 119/83),

3) são competentes os tribunais comuns para apreciar a legalidade ou ilegalidade do processo eleitoral;

4) a eleição de corpos gerentes não se trata de uma questão meramente de ordem interna da Irmandade, dizendo respeito ao interesse público, cabendo a sindicância aos Tribunais, enquanto órgãos de soberania do Estado,

5) A declaração de incompetência dos tribunais comuns é inconstitucional por impedir a tutela jurisdicional efectiva, por violação do artigo 20.° da CRP.

NESTES TERMOS.

E nos melhores de Direito, dado que seja por V.Exas. - Venerandos Conselheiros - o V. douto suprimento, deve ao presente recurso ser dado provimento porque devido, declarando-se competentes os tribunais comuns, revogando-se o douto Acórdão proferido pela Relação de Évora e ordenando-se o conhecimento das demais questões suscitadas em Apelação, com o que se fará a desejada JUSTIÇA.

A Recorrente encontra-se isenta de custas judiciais, cfr. artigo 2.°, n.° 1 al. c) do Código das custas Judiciais.

Não foram apresentadas contra-alegações.
4. As instâncias consideraram provada a seguinte matéria de facto:

1 - Em 8 de Dezembro de 2007, pelas 15 horas, teve lugar no Salão das Sessões da Santa Casa da Misericórdia, a Sessão Ordinária da Assembleia Geral, sendo ponto da ordem de trabalhos a eleição dos corpos gerentes para o triénio 2008/2010.

2 - Estiveram duas listas (A e B) sujeitas a sufrágio e o resultado eleitoral deu a vitória à Lista A, com 183 votos, ficando vencida a Lista B, com 51 votos.

3 - Os resultados eleitorais foram comunicados ao Ordinário Diocesano em 13 de Dezembro de 2007. '

4 -No dia 6 de Fevereiro de 2008, deu entrada nos serviços administrativos da requerente um requerimento subscrito pela Irmã BB, pedindo a emissão de lista completa de todos os Irmãos da Stª Casa, onde conste a data da sua admissão, bem como a data do último pagamento de quota - cfr. instrumento de fs. 64, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

5 - A requerente não concedeu a informação solicitada.

6 - Em 18 de Março de 2008, o Delegado Diocesano para as Irmandades das Misericórdias dirigiu à Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Sf Casa da Misericórdia de Gavião uma missiva a dar conta da decisão de não aprovar e não homologar os corpos gerentes eleitos em 8 de Dezembro de 2007 - cfr. instrumento de fls. 60 e 61, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.

7 - Para cabal esclarecimento da situação, a requerente solicitou, em 24 de Março de 2008, a fundamentação da decisão proferida e a prestação de esclarecimentos acerca do teor daquela missiva - cfr. instrumento de fls. 73 e 75, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.

8-O Ordinário Diocesano ainda não homologou o acto eleitoral e a Mesa da Assembleia Geral da St3 Casa da Misericórdia de Gavião ainda não empossou em funções a lista vencedora.

9 - Os corpos gerentes da requerente, eleitos para o triénio 2006/2008, mantêm-se em funções.
10 - O Presidente da Mesa da Assembleia Geral da requerente, CC , faleceu no dia 4 de Abril de 2007.

11 - A Vice-Presidente DD apresentou pedido de demissão no dia 6 de Junho de 2008.

12 - A requerida apresentou pedido de demissão do cargo de Ia Secretária no dia 17 de Julho de 2008.
5. Como dá nota o acórdão recorrido, constitui orientação reiterada do STJ a que se traduz em afirmar que os tribunais portugueses carecem de competência para dirimir os litígios decorrentes do processo eleitoral das pessoas colectivas canónicas, nomeadamente as Misericórdias, por se tratar de matéria situada no âmbito do foro eclesiástico: vejam-se, nomeadamente os acs. de 26/4/07, in CJ II/97, pag.48, de 27/1/05, proferido no p.04B4525, de 17/2/05, proferido no p.05B116, onde se afirma:

As associações assim constituídas, de harmonia com o artº 4° da Concordata de 1940 - então em vigor - "... podem adquirir bens e dispor deles nos mesmo termos por que o podem fazer, segundo a legislação vigente, as outras pessoas morais perpétuas, e administram-se livremente sob a vigilância e fiscalização da competente autoridade eclesiástica...", e se estas associações, para além dos fins religiosos, "... se propuserem também fins de assistência e beneficência em cumprimento de deveres estatutários..., ficam, na parte respectiva, também sujeitas ao regime instituído pelo direito português para estas associações ou corporações, que se tomará efectivo através do Ordinário competente, e que nunca poderá ser mais gravoso do que o regime estabelecido para as pessoas jurídicas da mesma natureza".
Tais associações encontram-se sujeitas à vigilância e à dependência da autoridade eclesiástica, nos termos dos cânones 305º e 323º do CDC.
É certo que, conforme decorre do disposto no artº 40° do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo DL 119/83 de 25/2, as organizações e instituições religiosas que, para além dos fins religiosos também desenvolverem actividades enquadráveis no âmbito das prosseguidas pelas pessoas colectivas de solidariedade social, estão, quanto a tais actividades, sujeitas ao regime previsto no referido Estatuto. Mas, tal como dispõe o artº 48° do mesmo Estatuto, "sem prejuízo da tutela do Estado, "compete ao ordinário diocesano, ou à Conferência Episcopal, respectivamente, a orientação das instituições do âmbito da sua diocese, ou de âmbito nacional, bem como a aprovação dos seus corpos gerentes e dos relatórios e contas anuais".

Por sua vez, o artº 69° ainda desse mesmo Estatuto das IPSS, que se reporta ao regime jurídico aplicável, dispõe que às irmandades da Misericórdia "aplica-se directamente o regime jurídico previsto no presente diploma, sem prejuízo das sujeições canónicas que lhes são próprias", ressalvando-se, porém, - e este é o critério decisivo - tudo o que especificamente respeita às actividades estranhas aos fins de solidariedade social " (n°s 1 e 3 da citada norma).

O n° 2 do mesmo preceito legal estabelece que em tudo quanto na secção 2ª do capítulo 3° do mencionado diploma (que versa sobre as irmandades) não se encontre especialmente estabelecido, essas irmandades regular-se-ão pelas disposições aplicáveis às associações de solidariedade social.

Temos, pois, que os institutos e associações que tenham por fim o exercício da actividade especificamente religiosa são estranhos aos fins próprios da administração pública, mas se prosseguirem fins de beneficência ou de assistência, já ficarão sujeitas, nessa parte - mas apenas nessa parte - ao ordenamento jurídico geral instituído pelo Estado para as instituições particulares da mesma índole, sem prejuízo da disciplina e espírito religiosos.

Assim, como refere no sobredito Ac. do STJ de 10-7-85 - que vimos seguindo de perto - sem prejuízo da tutela do Estado, que se manifesta, além de outros modos, através da sua intervenção nos actos discriminados no artº 32° e ss. do Estatuto (aquisição e alienação de bens, empréstimos, realização de inquéritos, sindicâncias e inspecções, destituição dos gerentes por actos reiterados de gestão prejudicial, requisição de bens para utilização em fins idênticos, etc.), as instituições da Igreja Católica - assim se acolhendo as prescrições do Código de Direito Canónico - estão submetidas à tutela da autoridade eclesiástica que, no tocante às que tenham âmbito diocesano, é exercida pelo competente Ordinário, o qual as orienta, aprova os seus corpos gerentes e os relatórios e contas anuais (artigo 48°)".

Ainda na esteira do mesmo aresto, "... se ao Ordinário diocesano cabe, por força da lei a aprovação dos corpos gerentes das Misericórdias, caber-lhe-á também, por necessária inerência, verificar a regularidade da eleição, sob pena de ter de aceitar-se que a sua aprovação haveria de resumir-se à aposição de uma chancela sem qualquer sentido prático e efeito útil' (sic).

Assim, as (pretensas) irregularidades imputadas nos presentes autos à autoria da Mesa na "admissão de novos irmãos" não se situam num domínio em que se imponha o exercício de uma qualquer tutela (pública) do Estado, nem respeitam especifica e directamente à prestação dos fins assistenciais ou de solidariedade social da instituição, como bem se salienta no acórdão recorrido.

Encontra-se em causa, tão-somente, a vida interna ou inter-orgânica da irmandade em causa (relativa à filiação ou adesão de novos irmãos como seus membros efectivos) cuja fiscalização e tutela competem, por força do citado artº 48°, ao "Ordinário Diocesano".

Não cabe aos tribunais indagar da idoneidade ou da inidoneidade dos candidatos à filiação numa dado instituto eclesial (como é o caso de uma Misericórdia), e muito menos sindicar a "legalidade", ou sequer a oportunidade ou a conveniência, do acto de apreciação (positiva ou negativa) dessas candidaturas ou pedidos de filiação/admissão.
Aderindo-se inteiramente a este entendimento, bastaria, para decidir o presente recurso, remeter para a fundamentação constante dos acórdãos citados. Considera-se, porém, que a situação dos autos envolve duas particularidades que justificam algum desenvolvimento:

- a primeira delas, prende-se com a circunstância de , perante a localização temporal do presente litígio, já ser convocável o texto da Concordata aprovada em 2004;

- a segunda especificidade conexiona-se com a natureza da pretensão formulada, reportada, não à impugnação de actos inseridos no processo eleitoral, mas antes à «investidura judicial» dos titulares eleitos em acto que a requerente tem por válido, pretendendo-se que o tribunal comum trate de sindicar os fundamentos para a não homologação do resultado eleitoral pela entidade eclesiástica competente, procedendo a uma espécie de«suprimento da recusa»do acto de homologação.
6. Não nos parece que o novo texto Concordatário ponha minimamente em causa o entendimento segundo o qual os aspectos estruturais, internos ou intra-orgânicos de uma «associação pública de fiéis, constituída na ordem jurídica canónica», e tendo como fins e atribuições, não apenas a prática de actividades de solidariedade social, mas também a «realização de actos de culto católico», por essencialmente conexionados com a ordem jurídica canónica, são da jurisdição das autoridades e do foro eclesiástico.

Seria, na verdade, incongruente com a natureza que incontestavelmente assiste à entidade requerente de pessoa colectiva canónica que devesse incumbir aos tribunais ou autoridades estaduais uma intromissão na vida interna de tal associação de fiéis, regida pela ordem jurídica canónica, em tudo aquilo que se não prenda, de modo directo e imediato, com uma actividade de realização de prestações assistenciais : é que, sendo obviamente unitários os órgãos da pessoa colectiva canónica, compete-lhes prosseguir, desde logo e em primeira linha, os fins e atribuições de índole religiosa da entidade em cujo substrato orgânico se inserem – e não apenas as actividades extrínsecas de solidariedade social , em nome das quais – e em homenagem ao interesse público que também lhes subjaz – lhe foi outorgado o estatuto de instituição de solidariedade social.
Como dá nota o atrás citado ac. de 26/4/07, a principal diferença de regimes, nesta sede, situa-se no texto do art.11º da Concordata de 2004, segundo o qual as pessoas jurídicas canónicas, decorrentes do princípio da livre organização da Igreja Católica proclamado pelo art. 10º - e que inteiramente se mantém e reforça - se regem pelo direito canónico e pelo direito português, aplicados pelas respectivas autoridades.

Pretendeu-se com esta norma fazer coincidir as regras de jurisdição e competência com as normas de direito material aplicáveis pelo foro eclesiástico e pelos tribunais e autoridades públicas, pondo termo à possibilidade – que efectivamente se verificava anteriormente de:

- os regimes instituídos pelo direito português e aplicáveis às entidades que, para além de fins religiosos , se propunham também fins de assistência ou beneficência, serem «tornados efectivos através do Ordinário competente», por força do estatuído no art.IV da Concordata de 1940;

- poderem eventualmente os tribunais portugueses, por força da articulação das regras de competência internacional com as «normas de conflitos» vigentes, terem de aplicar o Direito Canónico à dirimição de certos e determinados litígios ( cfr, a situação versada no ac. 268/04 do TC).

Continua, porém, a resultar claramente do teor do art. 12º da Concordata de 2004 que as pessoas jurídicas canónicas que , além de fins religiosos, prosseguem fins de assistência e solidariedade desenvolvem a sua actividade de acordo com o regime jurídico instituído pelo direito português: ou seja, a aplicabilidade da ordem jurídica nacional não tem lugar quanto à regulação dos aspectos estruturais, orgânicos ou internos das pessoas colectivas canónicas, mas apenas quanto à disciplina de certas actividades ,extrínsecas e complementares aos fins estritamente religiosos, envolvendo aspectos de índole patrimonial e prestacional que justificam a aplicação do nosso ordenamento jurídico e a sujeição a alguma forma de tutela ou controlo público ( até porque, em muitos casos, o exercício de tal actividade prestacional envolve o recebimento de apoios ou subsídios públicos).

E este entendimento é inteiramente confirmado, no nosso ordenamento jurídico interno, já que o art . 48º do DL.119/83 reafirma o princípio da tutela da autoridade eclesiástica na orientação – e na vida interna - das instituições, envolvendo, nomeadamente, a aprovação dos respectivos corpos gerentes.
7.Como atrás se salientou, o presente procedimento cautelar apresenta especificidade relevante relativamente aos casos de contencioso eleitoral das Misericórdias que frequentemente vêm sendo apreciados e jurisprudencialmente resolvidos: na verdade, o que a A. pretende é, - não questionar a validade e regularidade de actos integrados no procedimento eleitoral, peticionando perante a ordem judiciária portuguesa o decretamento da respectiva invalidade, - mas antes, afirmando a inteira validade do processo eleitoral e dos resultados da eleição, formular, no âmbito da justiça cautelar, uma pretensão de investidura dos eleitos nos respectivos cargos sociais , em termos análogos aos que, em geral, estão previstos no art. 1500º do CPC.

Tal pretensão depara-se, porém com uma dificuldade, decorrente de – quer os Estatutos da requerente (art. 13º, nº2) , quer a própria lei ( art.48º do DL 119/83) - preverem e exigirem expressamente a «homologação » ou «aprovação» dos corpos gerentes pela autoridade eclesiástica – o Ordinário Diocesano.

Não pondo a recorrente directamente em causa a validade de tal norma estatutária, acaba por formular um verdadeiro pedido de suprimento da recusa de homologação dos resultados eleitorais, - análogo ao previsto nos «processos de suprimento», regulados nos arts.1425º e segs. do CPC, - implicando obviamente o conhecimento do mesmo que o tribunal comum fosse sindicar os fundamentos da recusa de homologação do resultado eleitoral pela autoridade eclesiástica (cf. a matéria articulada sob os nºs32º a 47º da petição).
Ou seja: face à pretensão da requerente, a tarefa do tribunal comum não se traduziria apenas em sindicar da estrita legalidade, face às disposições de direito português tidas por aplicáveis, de actos de um procedimento eleitoral ( o que, desde logo, suscitava a dúvida sobre se a tal matéria, por ligada à vida interna de uma pessoa colectiva canónica e claramente diferenciada do plano das actividades externas de solidariedade social, não seria antes aplicável o Direito Canónico ), mas antes de analisar e valorar criticamente os fundamentos da decisão de recusa de homologação pela competente autoridade eclesiástica, decretando eventualmente a falta de fundamento de tal recusa, e, em consequência, «dispensando» a homologação estatutariamente exigida como condição da investidura no cargo social.

Só que uma tal actividade está obviamente vedada aos tribunais portugueses, já que a sua realização , ao implicar que o órgão judiciário fosse sindicar os fundamentos substanciais de um acto ou decisão provindo da autoridade eclesiástica competente, colidiria frontalmente com o princípio constitucional da separação da Igreja e do Estado , proclamado no art. 41º, nº4 da Constituição.

Tal princípio envolve, para alem da não confessionalidade do Estado, a garantia da não ingerência do Estado na organização das igrejas e no exercício das suas funções e do culto, «não podendo os poderes públicos intervir nessas áreas , a não ser na medida em que, por via normativa, regulam a liberdade de organização e associação privada e o direito de reunião e manifestação, e outros direitos instrumentais da liberdade de culto»(CRP Anotada, G: Canotilho e V. Moreira, 1993, pag.244)

Seria, deste modo, solução normativa manifestamente colidente com o referido princípio constitucional a que se traduzisse em outorgar a um tribunal ou entidade pública o poder de sindicar um concreto acto praticado pela competente autoridade eclesiástica no exercício da sua tarefa de vigilância e fiscalização sobre a vida interna de associações constituídas sob a égide do Direito Canónico – não podendo , por força do referido princípio constitucional, existir zonas de interferência, sobreposição ou colisão entre as competências atribuídas aos órgãos estaduais e as conferidas às autoridades eclesiásticas.

E, ao contrário do sustentado pela recorrente, esta solução em nada colide com o direito de acesso aos tribunais, que naturalmente não implica que tenha necessariamente de ser atribuída aos tribunais portugueses jurisdição e competência para a dirimição de todos os litígios, mesmo daqueles que tenham conexão com outros ordenamentos jurídicos.

8.Nestes termos e pelos fundamentos expostos nega-se provimento à revista.
Sem custas, por delas estar subjectivamente isenta a entidade recorrente, nos termos do art. 2º do CCJ.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2009

Lopes do Rego (Relator)
Ferreira de Sousa
Pires da Rosa

Data do Acordão: 17-12-2009


Votação: UNANIMIDADE


Texto Integral: S

Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Discurso do Papa aos membros do Tribunal da Rota Romana

Caros membros do Tribunal da Rota Romana!

Tenho prazer de encontrá-los neste encontro anual por ocasião da inauguração do ano judicial. Uma cordial saudação ao vosso Colégio dos Prelados Auditores, Monsenhor  Antoni Stankiewicz, que agradeço pelas amáveis palavras. Saúdo os Oficiais, os Advogados e os outros colaboradores deste Tribunal, como também todos os presentes. Neste momento dá-me a oportunidade de renovar a minha estima pela obra que desenvolveram a serviço da Igreja e de encorajar-vos a um sempre melhor empenho em um setcor tão delicado e importante para a pastoral e para a “salus animarum.”

O relacionamento entre o direito e a pastoral esteve no centro do debate pós-concílio sobre o direito canónico. A observação do Venerável Servo de Deus João Paulo II, que diz que “não é verdade que para ser mais pastoral o direito deve ser menos jurídico” (Discurso à Rota Romana, em 18 de janeiro de 1990, n. 4: AAS 82 [1990], p. 874) expressa o superamento radical de uma aparente contraposição. “ A dimensão jurídica e aquela pastoral – dizia – estão inseparavelmente unidas na Igreja peregrina sob essa terra. Antes de tudo, há uma harmonia, decorrentes do objetivo comum: a salvação das almas” (ibidem).

No meu primeiro encontro convosco em 2006, procurei evidenciar o autêntico sentido pastoral dos processos de nulidade matrimonial, fundado no amor pela verdade (cfr Discurso à Rota Romana  em 28 de janeiro de 2006: AAS 98 [2006], pág. 135-138). Hoje gostaria de me firmar na consideração da dimensão jurídica que é inerente na actividade pastoral de preparação e admissão ao matrimónio, para procurar colocar à luz o vínculo entre tais actividades e os processos jurídicos matrimoniais.

A dimensão canónica da preparação ao matrimónio talvez não seja um elemento de imediata percepção. De facto, por uma parte constata-se como nos cursos de preparação ao matrimónio as questões canónicas ocupam um lugar muito modesto, quase insignificante, enquanto se tende a pensar que os futuros esposos possuem um interesse muito pequeno pela problemática reservada aos especialistas. Por outra parte, embora não exclua nenhum a necessidade de actividades jurídicas que precedem o matrimónio, assegurando que “nada se oponha a sua celebração válida e lícita” (CIC, can. 1066), é difundida a mentalidade segundo a qual o exame dos esposos, as publicações matrimoniais e os outros meios oportunos para cumprir as necessárias investigações pré-matrimoniais (cfr ibid., can. 1067),  entre as quais se colocam os cursos de preparação matrimonial, constituam o cumprimento de aspectos meramente formais.

Na verdade, é frequentemente assumido que, ao admitir o casal para o matrimónio, os pastores deveriam proceder com brandura, porque está em jogo o direito natural das pessoas de se casarem.

É bom, a propósito, reflectir sob a dimensão jurídica do próprio matrimónio. É um argumento no qual sinalizei no contexto de uma reflexão sobre a verdade do matrimónio, na qual afirmava entre outras coisa: “Diante da relativização subjetiva e libertária da experiência sexual, a tradição da Igreja afirma com clareza a índole naturalmente jurídica do matrimónio, isto é, o seu pertencimento por natureza ao âmbito da justiça nas relações interpessoais. Nesta óptica, o direito é realmente entrelaçado com a vida e o amor; como um seu dever-ser” (Discurso à Rota Romana, 27 de janeiro de 2007, AAS 99 [2007], p. 90).

Não existe, portanto, um matrimónio da vida e um outro de direito: só há um matrimónio, que é constitucionalmente vínculo jurídico  real entre um homem e uma mulher, um vínculo sob o qual se apoia a autentica dinâmica conjugal da vida e do amor.
O matrimónio celebrado, do qual se ocupa a pastoral e incide sobre a doutrina canónica, são uma só realidade natural e santificadora, cuja riqueza certamente dá origem a uma variedade de abordagens, mas sem que seja menos uma identidade essencial. O aspecto jurídico está intrinsecamente ligado à essência do matrimónio.  Isso é compreensível à luz de uma concepção não-positivista de direito, mas considerado do ponto de vista relacional segundo a justiça.

O direito a casar, o ius connubii, deve ser visto nesta perspectiva. Não se trata, isto é, de uma reivindicação subjetiva que deve ser satisfeita pelos pastores mediante um mero reconhecimento formal, independentemente do contexto efectivo da união. O direito ao matrimónio pressupõe que se possa e se destina a celebrar realmente na verdade da sua essência, tal como é ensinado pela Igreja. Ninguém pode reivindicar o direito de um casamento.

O ius connubii, de facto, refere-se ao direito de celebrar um autêntico matrimónio. Não se nega, assim, o ius connubii onde era óbvio que existem as condições para seu exercício, se falta, isto é, claramente as competências necessárias para se casar, ou simplesmente a vontade é contrária à realidade natural do matrimónio.
Neste contexto, reitero quando escrevi, depois do Sínodo dos Bispos sobre a Eucaristia: “Dada a complexidade do contexto cultural em que vive a Igreja em muitos países, o Sínodo recomendou que tenham o máximo de cuidado pastoral na formação dos noivos e na prévia verificação das suas convicções sobre as obrigações exigidas para a validade do sacramento do matrimónio. Um sério discernimento a tal respeito poderá evitar que impulsos emotivos ou razões superficiais induzam dois jovens a assumir responsabilidades que não poderão honrar  (cfr Propositio 40). É demasiadamente grande o bem que a Igreja e a sociedade inteira espera do casamento e da família fundada sobre essa união para não empenhar-se a fundo neste específico âmbito pastoral. O matrimónio e a família são instituições que devem ser promovidas e defendidas de qualquer possível equívoco sobre a sua verdade, porque todo e qualquer dano aqui provocado constitui na realidade uma ferida infligida à convivência humana como tal” (Exort. Ap. Pós-sinodal Sacramentum caritatis, 22 de fevereiro de 2007, n. 29: AAS 99 [2007], p. 130).

A preparação ao matrimónio, nas suas várias fases, descreve o Papa João Paulo II na Exortação apostólica Familiaris consortio, tem certamente finalidades que transcendem a dimensão jurídica, pois que o seu horizonte é constituído pelo bem integral, humano e cristão, dos conjuges e dos  seus futuros filhos (cfr n. 66: AAS 73 [1981], pp. 159-162), em direcção definitiva à santidade de suas vidas (cfr CIC, can. 1063,2°).
Não podemos jamais esquecer que o objetivo imediato de tal preparação é o de promover a livre celebração de um verdadeiro matrimónio, a sua constituição, isto é, de um vínculo de justiça e de amor entre os conjuges, com as características da unidade e indissolubilidade, ordenado ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole, e que entre os baptizados constitui um dos sacramentos da Nova Aliança.
Com isto não é dirigido ao casal uma mensagem ideológica extrínseco, nem lhe é imposto um modelo cultural; pelo contrário, os noivos estão em posição de descobrir a verdade de uma inclinação natural e de uma capacidade de empenhar-se nesta relação entre homem e mulher.
E é dai que vem o direito como um componente essencial da relação matrimonial, radicado numa potencialidade natural dos conjuges que a doação consensual actualiza. Razão e fé combinam-se para iluminar esta verdade de vida, devendo, no entanto, permanecer claro que, como ensinou também o Venerável João Paulo II,  a “Igreja não se recusam a celebrar um casamento de quem está bem disposto, ainda que imperfeitamente preparado do ponto de vista sobrenatural, desde que tenham a correcta intenção de casar-se de acordo com a realidade natural do matrimónio” (Discurso à Rota Romana, 30 de janeiro de 2003, n. 8: AAS 95 [2003], p. 397).
Neste perspectiva, um cuidado particular deve ser colocada para que o acompanhamento da preparação ao matrimónio seja remoto, próximo, imediato. (cfr João Paulo II, Exort. ap. Familiaris consortio, 22 de novembro de 1981, n. 66: AAS 73 [1981], pp. 159-162).

Entre os meios para assegurar que o projecto dos noivos seja realmente conjugal, implica o exame pré-matrimonial. Tal exame tem um propósito principalmente jurídico: assegurar que não há impedimento para a válida e lícita celebração das núpcias. Jurídico não que dizer formalista, como se fosse uma mera prática burocrática consistindo em preencher um formulário tendo como base perguntas rituais. Trata-se, isso sim, de uma ocasião pastoral única – a valorizar com toda a seriedade e atenção que se exige – na qual, por meio de um diálogo cheio de respeito e cordialidade, o pastor procura ajudar a pessoa a situar-se seriamente perante a verdade sobre si mesma e sobre a sua própria vocação humana e cristã para o matrimónio.
Neste sentido, o diálogo sempre conduzido separadamente com cada um dos noivos, sem medir a conveniência de outras conversas com o casal – requer um clima de plena sinceridade, no qual se deve destacar o facto que eles mesmo são os primeiros interessados e os primeiros obrigados em consciência a celebrar um matrimónio válido.
Deste modo, com os vários meios a disposição para uma cuidada preparação e verificação, pode se desenvolver uma eficaz acção pastoral visando a prevenção da nulidade matrimonial. Há que se empenhar para que, na medida do possível, se interrompa o círculo vicioso que muitas vezes se verifica entre uma admissão fácil ao matrimónio, sem a adequada preparação e sem um sério exame dos requisitos previstos para a sua celebração, e uma declaração judicial igualmente fácil, mas de sinal oposto, na qual se considera o próprio matrimónio apenas com base na constatação da sua falência.
É verdade que nem todos os motivos de uma eventual declaração de nulidade pode ser individualizada, ou mesmo manifestada na preparação ao matrimónio, mas, também, não seria justo dificultar o acesso ao casamento com base em presunções infundadas, como aquele de  acreditar que, hoje em dia, as pessoas seriam geralmente incapazes ou teriam uma vontade somente aparentemente matrimonial. Neste perspectiva, é importante que haja uma consciência ainda mais eficaz da responsabilidade a este respeito para aqueles que têm o cuidado das almas.

O direito canónico em geral, e em especial aquele matrimonial e processual, requerem certamente uma preparação específica, mas o conhecimento dos aspectos básicos e daqueles imediatamente práticos do direito canónico, relativos às próprias funções, constituem uma exigência formativa de primária relevância para todos os operadores pastorais, em particular àqueles que atuam nas pastorais familiares.
Tudo isto requer também que os operadores dos tribunais eclesiásticos enviem uma mensagem única sobre o que é essencial no casamento, em sintonia com o Magistério e a lei canónica, falando a uma só voz. Dada a necessidade de unidade da jurisprudência, confiada ao cuidado deste Tribunal,  os outros tribunais eclesiásticos devem adequar-se à jurisprudência rotal (cfr Giovanni Paolo II, Discurso à Rota Romana, 17 janeiro de 1998, n. 4: AAS 90 [1998], p. 783).
Tenho recentemente insistido na necessidade de julgar corretamente as causas relativas de incapacidade consensual (cfr Discurso à Rota Romana, 29 de janeiro de 2009: AAS 101 [2009], pp. 124-128).
A questão continua a ser muito actual, e permanece ainda posições incorretas, como aquela de identificar a discrição de juízo requerida para o matrimónio (cfr CIC, can. 1095, n. 2) com o pedido cauteloso na decisão de casar-se, tratando, assim, de uma questão de habilidade com um que não afecta a validade, quanto ao grau de sabedoria prática com a qual tenha tomado uma decisão que é, no entanto, realmente matrimonial.
Ainda mais grave seria o mal-entendido, se quisesse atribuir eficácia inválida às escolhas imprudentes feitas durante a vida matrimonial.
No âmbito da nulidade para a inclusão dos bens essenciais do matrimônio (cfr ibid., can. 1101, § 2) ocorre ter um sério compromisso para que as decisões jurídicas reflitam a verdade sobre o matrimónio, a mesma que deve iluminar tempo de admissão do casamento.
Penso, de modo particular, na questão da inclusão do bonum coniugum. Em relação a esta exclusão parece estar a repetir o mesmo perigo que ameaça a boa aplicação das regras relativas à incapacidade, consiste em procurar as causas de nulidade em comportamentos que não dizem respeito ao estabelecimento do vínculo matrimonial, mas a sua realização na vida.
Devemos resistir à tentação de transformar a simples falha dos esposos na sua vivência conjugal em defeitos do consentimento. A verdadeira exclusão pode ser verificada, de facto, somente quando afectada a ordem ao bem dos conjugues (cfr ibid., can. 1055, § 1), excluídos por um acto positivo de vontade.
Certamente, são excepcionais os casos no qual  faltar o reconhecimento do outro como conjuge, ou é excluída a ordem essencial da comunidade de vida conjugal ao bem do outro.
O esclarecimento desses motivos de exclusão do  bonum coniugum deverá ser atentamente avaliado pela jurisprudência da Rota Romana.
Ao concluir estas minhas reflexões, volto a considerar o relacionamento direito e pastoral. Esse está sujeito a mal-entendidos, em detrimento do direito, mas também da pastoral. Ocorre de vez em quando, favorecer todos os sectores, de modo particular no campo do matrimónio e da família, uma dinâmica de articulação harmoniosa entre pastoral e direito, que certamente se revelará fecunda no serviço oferecido às pessoas que estão se aproximando do casamento.
Caros membros do Tribunal da Rota Romana, confio a todos vós à poderosa intercessão da Virgem Maria, para que não vos falte jamais a assistência divina no desenvolvimento com fidelidade, espírito de serviço e frutos do vosso cotidiano trabalho, e de bom grado concedo a todos uma especial Bênção Apostólica.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Modificações introduzidas nas “Normae de Gravioribus Delictis”

Primeira Parte
NORMAS SUBSTANCIAIS

Art. 1
§1. A Congregação para a Doutrina da Fé, nos termos do art. 52 da Constituição Apostólica Pastor bonus, julga os delitos contra a fé e os delitos mais graves cometidos contra os costumes ou na celebração dos sacramentos e, se for o caso, procede a declarar ou a irrogar as sanções canônicas nos termos do direito, quer comum quer próprio, salva a competência da Penitenciaria Apostólica e salvaguardando a Agendi ratio in doctrinarum examine.
§ 2. Nos delitos a que se refere o §1, por mandato do Romano Pontífice, a Congregação para a Doutrina da Fé tem o direito de julgar os Padres Cardeais, os Patriarcas, os Legados da Sé Apostólica, os Bispos, assim como as outras pessoas físicas a que se refere o cân. 1405 §3 do Código de Direito Canônico e o cân. 1061 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais.
§ 3. A Congregação para a Doutrina da Fé julga os delitos reservados que constam no §1 nos termos dos artigos seguintes.

Art. 2
§ 1. Os delitos contra a fé, a que se refere o art. 1, são a heresia, a apostasia e o cisma, nos termos dos câns. 751 e 1364 do Código de Direito Canônico e dos câns. 1436 e 1437 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais.
§ 2. Os casos a que se refere o §1, nos termos do direito compete ao Ordinário ou ao Hierarca anular, se necessário, a excomunhão latae sententiae e realizar o processo judiciário em primeira instância ou extrajudiciário por decreto, salvo o direito de apelo ou de recurso à Congregação para a Doutrina da Fé.

Art. 3
§ 1. Os delitos mais graves contra a santidade do augustíssimo Sacrifício e sacramento da Eucaristia reservados ao julgamento da Congregação para a Doutrina da Fé são:
1° a ablação ou a conservação para fins sacrílegos, ou a profanação das espécies consagradas, a que se refere o cân. 1367 do Código de Direito Canônico e o cân. 1442 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais;
2° a tentada ação litúrgica do Sacrifício eucarístico segundo o cân. 1378 §2 n. 1 do Código de Direito Canônico;
3° a simulação da ação litúrgica do Sacrifício eucarístico segundo o cân. 1379 do Código de Direito Canônico e o cân. 1443 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais;
4° a concelebração do Sacrifício eucarístico proibida pelo cân. 908 do Código de Direito Canônico e pelo cân. 702 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, a que se refere o cân. 1365 do Código de Direito Canônico e o cân. 1440 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, juntamente com os ministros das comunidades eclesiais que não têm a sucessão apostólica e não reconhecem a dignidade sacramental da ordenação sacerdotal.
§ 2. Está reservado à Congregação para a Doutrina da Fé também o delito que consiste na consagração para fim sacrílego de uma só matéria ou de ambas, na celebração eucarística ou fora dela. Quem comete este delito, seja punido segundo a gravidade do crime, sem excluir a demissão ou a deposição.

Art. 4
§ 1. Os delitos mais graves contra a santidade do sacramento da Penitência reservados ao julgamento da Congregação para a Doutrina da Fé são:
1° a absolvição do cúmplice no pecado contra o sexto mandamento do Decálogo, a que se refere o cân. 1378 §1 do Código de Direito Canônico e o cân. 1457 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais;
2° a tentada absolvição sacramental ou a escuta proibida da confissão a que se refere o cân. 1378 §2, 2° do Código de Direito Canônico;
3° a simulação da absolvição sacramental a que se refere o cân. 1379 do Código de Direito Canônico e o cân. 1443 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais;
4° a solicitação ao pecado contra o sexto mandamento do Decálogo no ato ou por ocasião ou com o pretexto da confissão, a que se refere o cân. 1387 do Código de Direito Canônico e o cân. 1458 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, se destinada ao pecado com o mesmo confessor;
5° a violação direta e indireta do sigilo sacramental, de que fala o cân. 1388 §1 do Código de Direito Canônico e o cân. 1456 §1 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais.
§ 2. Sem alterar quanto disposto no §1 n. 5, à Congregação para a Doutrina da Fé fica reservado também o delito mais grave que consiste na registração, feita com qualquer meio técnico, ou na divulgação com os meios de comunicação social realizada com malícia, de quanto é dito pelo confessor ou pelo penitente na confissão sacramental, verdadeira ou falsa. Aquele que comete este delito, seja punido segundo a gravidade do crime, sem excluir a demissão ou a deposição, se é um clérigo.

Art. 5
À Congregação para a Doutrina da Fé é reservado também o delito mais grave de tentada sagrada ordenação de uma mulher:
1° ficando estabelecido quanto disposto no cân. 1378 do Código de Direito Canônico, quer quem tenta o conferimento da ordem sagrada, quer a  mulher  que  tenta  a  recepção  da ordem sagrada, incorrem na excomunhão latae sententiae reservada à Sé Apostólica;
2° depois se quem tenta o conferimento da ordem sagrada ou a mulher que tenta a recepção da ordem sagrada for um cristão sujeito ao Código dos Cânones das Igrejas Orientais, ficando estabelecido quanto disposto no cân. 1443 do mesmo Código, seja punido com a excomunhão maior, cuja remissão também é reservada à Sé Apostólica;
3° se depois o réu é um clérigo, pode ser punido com a demissão ou com a deposição.

Art. 6
§ 1. Os delitos mais graves contra os costumes, reservados ao julgamento da Congregação para a Doutrina da Fé, são:
1° o delito contra o sexto mandamento do Decálogo cometido por um clérigo com um menor de dezoito anos; neste número, é equiparada ao menor a pessoa que habitualmente tem um uso imperfeito da razão;
2° a aquisição ou a detenção ou a divulgação, para fins de libidinagem, de imagens pornográficas de menores com idade inferior aos quatorze anos por parte de um clérigo, de qualquer modo e com qualquer instrumento.
§ 2. O clérigo que pratica os delitos a que se refere o §1 seja punido segundo a gravidade do crime, não excluída a demissão ou a deposição.
Art. 7
§ 1. Salvaguardando o direito da Congregação para a Doutrina da Fé de derrogar à prescrição para cada um dos casos, a ação criminal relativa aos delitos reservados à Congregação para a Doutrina da Fé extingue-se por prescrição em vinte anos.
§ 2. A prescrição decorre segundo o cân. 1362 §2 do Código de Direito Canônico e do cân. 1152 §3 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais. Mas no delito a que se refere o art. 6 §1 n. 1, a prescrição começa a decorrer a partir do dia em que o menor completou dezoito anos.

Segunda Parte: NORMAS PROCESSUAIS

TÍTULO I
Constituição e competência do Tribunal

Art. 8
§ 1. A Congregação para a Doutrina da Fé é o Supremo Tribunal Apostólico para a Igreja Latina, assim como para as Igrejas Orientais Católicas, para julgar os delitos definidos nos artigos precedentes.
§ 2. Este Supremo Tribunal julga também os outros delitos, dos quais o réu é acusado pelo Promotor de Justiça, em virtude da conexão da pessoa e da cumplicidade.
§ 3. As sentenças deste Supremo Tribunal, emitidas nos limites da própria competência, não estão sujeitas à aprovação do Sumo Pontífice.

Art. 9
§ 1. Os juízes deste Supremo Tribunal são, pelo mesmo direito, os Padres da Congregação para a Doutrina da Fé.
§ 2. Preside o Colégio dos Padres, como primeiro entre iguais, o Prefeito da Congregação e, em caso de vacância ou de impedimento do Prefeito, desempenha o cargo o Secretário da Congregação.
§ 3. Compete ao Prefeito da Congregação nomear também os outros juízes estabelecidos ou encarregados.

Art. 10
É necessário que sejam nomeados juízes sacerdotes de idade madura, munidos de doutoramento em direito canônico, de bons costumes, sobretudo que se distinguem por prudência e experiência jurídica, mesmo se exercem contemporaneamente o cargo de juiz ou de consultor noutro Organismo da Cúria Romana.

Art. 11
Para apresentar ou defender a acusação, é constituído um Promotor de Justiça, que seja sacerdote, munido de doutoramento em direito canônico, de bons costumes, que se distinga particularmente por prudência e experiência jurídica, que desempenhe o seu cargo em todos os graus de juízo.

Art. 12
Para as tarefas de Notário e de Chanceler são designados sacerdotes, quer Oficiais desta Congregação, quer externos.
Art. 13
Desempenha a função de Advogado e Procurador um sacerdote, munido de doutoramento em direito canônico, que é aprovado pelo Presidente do colégio.

Art. 14
Nos outros Tribunais, depois, para as causas a que se referem as presentes normas, podem desempenhar validamente os cargos de Juiz, Promotor de Justiça, Notário e Patrono apenas sacerdotes.

Art. 15
Ficando estabelecido quanto prescrito pelo cân. 1421 do Código de Direito Canônico e pelo cân. 1087 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, à Congregação para a Doutrina da Fé é lícito conceder as dispensas dos requisitos do sacerdócio, assim como do doutoramento em direito canônico.

Art. 16
Todas as vezes que o Ordinário ou o Hierarca recebe a notícia, pelo menos verossímil, de um delito mais grave, realizada a averiguação prévia, a dê a conhecer à Congregação para a Doutrina da Fé, a qual, se não avoca para si a causa por circunstâncias particulares, ordena ao Ordinário ou ao Hierarca que proceda ulteriormente, ficando estabelecido contudo, se necessário, o direito de apelo contra a sentença de primeiro grau apenas ao Supremo Tribunal da mesma Congregação.

Art. 17
Se o caso for entregue diretamente à Congregação, sem fazer a averiguação prévia, os preliminares do processo, que por direito comum competem ao Ordinário ou ao Hierarca, podem ser feitos pela mesma Congregação.

Art. 18
A Congregação para a Doutrina da Fé, nas causas a ela legitimamente entregues, pode sanar os atos, salvaguardando o direito à defesa, se foram violadas leis meramente processuais por parte dos Tribunais inferiores que agem por mandato da mesma Congregação ou segundo o art. 16.

Art. 19
Salvaguardando o direito do ordinário ou do Hierarca, desde o início da averiguação prévia, de impor quanto estabelecido no cân. 1722 do Código de Direito Canônico ou no cân. 1473 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, também o Presidente de turno do Tribunal, por solicitação do Promotor de Justiça, tem o mesmo poder com as mesmas condições determinadas nos mencionados cânones.

Art. 20
O Supremo Tribunal da Congregação para a Doutrina da Fé julga em segunda instância:
1° as causas julgadas em primeira instância pelos Tribunais inferiores;
2° as causas definidas em primeira instância pelo mesmo Supremo Tribunal Apostólico.

TÍTULO II
A ordem judiciária

Art. 21
§ 1. Os delitos mais graves reservados à Congregação para a Doutrina da Fé devem ser perseguidos em processo judiciário.
§ 2. Contudo, à Congregação para a Doutrina da Fé é lícito:
1° em cada caso, por competência ou por solicitação do Ordinário ou do Hierarca, decidir proceder por decreto extrajudiciário, segundo o cân. 1720 do Código de Direito Canônico e o cân. 1486 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais; contudo, com o propósito de que as penas expiatórias perpétuas sejam infligidas unicamente por mandato da Congregação para a Doutrina da Fé;
2° remeter diretamente à decisão do Sumo Pontífice em mérito à demissão do estado clerical ou à deposição, juntamente com a dispensa da lei do celibato, os casos mais graves quando consta manifestamente a prática do delito, depois de ter sido dado ao réu a faculdade de se defender.

Art. 22
Para julgar uma causa, o Prefeito constitua um Turno de três ou de cinco juízes.

Art. 23
Se, no grau de apelo, o Promotor de Justiça apresenta uma acusa especificamente diversa, este Supremo Tribunal pode admiti-la e julgá-la, como se fosse em primeira instância.

Art. 24
§ 1. Nas causas para os delitos aos quais se refere o art. 4 §1, o Tribunal não pode tornar público o nome do denunciante, nem ao acusado, nem ao seu Patrono, se o denunciante não deu expresso consentimento.
§ 2. O mesmo Tribunal deve avaliar com particular atenção a credibilidade do denunciante.
§ 3. Contudo, é preciso providenciar a que seja evitado absolutamente qualquer perigo de violação do sigilo sacramental.

Art. 25
Se sobressai uma questão acidental, o Colégio defina o caso por decreto com a máxima rapidez.

Art. 26
§ 1. Salvaguardando o direito de apelo a este Supremo Tribunal, terminada de qualquer modo a instância noutro Tribunal, todas as atas da causa sejam transmitidas por competência quanto antes à Congregação para a Doutrina da Fé.
§ 2. O direito do Promotor de Justiça da Congregação de impugnar a sentença decorre a partir do dia em que a sentença de primeira instância foi notificada ao mesmo Procurador.

Art. 27
Contra as atas administrativas singulares emitidas ou aprovadas pela Congregação para a Doutrina da Fé nos casos dos delitos reservados, admite-se o recurso, apresentado no prazo peremptório de sessenta dias úteis, à Congregação Ordinária (ou seja, Feria iv) da mesma Congregação, a qual julga o mérito e a legitimidade, eliminando qualquer ulterior recurso a que se refere o art. 123 da Constituição Apostólica Pastor bonus.

Art. 28
A questão passa em julgado:
1° se a sentença foi emitida em segunda instância;
2° se o apelo contra a sentença não foi interposto no prazo de um mês;
3° se, em grau de apelo, a instância prescreveu ou se renunciou a ela;
4° se foi emitida uma sentença nos termos do art. 20.

Art. 29
§ 1. As despesas judiciárias sejam pagas segundo quanto estabelecido pela sentença.
§ 2. Se o réu não poder pagar as despesas, elas sejam pagas pelo Ordinário ou pelo Hierarca da causa.

Art. 30
§ 1. As causas deste gênero são sujeitas ao segredo pontifício.
§ 2. Quem quer que viole o segredo ou, por dolo ou negligência grave, cause qualquer dano ao acusado ou às testemunhas, a pedido da parte lesada ou também por competência seja punido pelo Turno superior com penas côngruas.

Art. 31
Nestas causas, juntamente com as prescrições destas normas, às quais são obrigados todos os Tribunais da Igreja Latina e das Igrejas Orientais Católicas, devem-se aplicar também os cânones sobre os delitos e as penas e sobre o processo penal de ambos os Códigos.

Etapas do processo de nulidade matrimonial

Processo é uma sequência de actos interdependentes que vinculam os juízes e as partes a uma série de direitos e deveres destinados a resolver uma questão proposta.

O processo de nulidade matrimonial, por sua vez, possui uma série de mecanismos próprios, os quais auxiliam o juiz a descobrir a verdade com a maior garantia possível de êxito para que se chegue a uma certeza moral, porém, nunca absoluta. Diminuindo, assim, as hipóteses de se cometer uma injustiça.

O processo de nulidade matrimonial nos Tribunais Eclesiásticos de Primeira Instância passa pelas seguintes etapas:
1ª etapa – A postulação. A apresentação do libelo introdutório ao Tribunal Eclesiástico de Primeira Instância;
2ª etapa – A aceitação do processo pelo Tribunal Eclesiástico de Primeira Instância;
3ª etapa – A fixação da fórmula da dúvida;
4ª etapa – A Litiscontestação;
5ª etapa – A instrução com oitiva das partes e testemunhas, apresentação de documentos;
6ª etapa – A publicação dos Autos;
7ª etapa – A conclusão da causa;
8ª etapa – A elaboração da defesa;
9ª etapa – Alegações Finais do Defensor do Vínculo;
10ª etapa – Estudo e definição pelo Colégio Judicante com a posterior elaboração da Sentença;
11ª etapa – A publicação da sentença;
12ª etapa – O envio dos autos ao Tribunal de Apelação.

Na justiça canónica o duplo grau de jurisdição é obrigatório, uma vez que ao fim do processo no primeiro grau os autos são automaticamente remetidos pelo Tribunal Eclesiástico de Primeira Instância ao Tribunal de Apelação, ou Tribunal Eclesiástico de Segunda Instância. Para que o matrimónio seja declarado nulo são necessárias duas sentenças concordes, ou seja, em favor da nulidade. Assim sendo, caso a sentença do Tribunal de Apelação não seja favorável à nulidade matrimonial a parte demandante pode apelar ao Tribunal da Rota Romana.

Fonte aqui

ISDC promove seminário sobre "Direito Matrimonial Canónico"

Para 2011, o Instituto Superior de Direito Canónico da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, oferece um Seminário sobre «Direito Matrimonial Canónico».
Nos dias 24-27 de Janeiro, o referido instituto promove um seminário sobre «Direito Matrimonial Canónico» que terá como orientador D. Juan José Garcia Failde, debater-se-ão os seguintes temas: Impedimento de Medo/ Dolo/ Impotentia Coeundi /  Psicopatologias e Cân.1095.

O Direito Canónico na vida da Igreja Católica

O costume de escrever as normas vem de milénios atrás. Os primeiros Códigos de leis datam dos tempos anteriores à era cristã. Na Igreja, as coleções de normas escritas vêm desde os primeiros tempos. O objectivo, em ambos os casos, sempre foi o mesmo: dar ciência a todos da existência destas normas e zelar pela sua uniformidade.
Nos dez primeiros séculos da Igreja, ou seja, até aproximadamente o ano 1000 da nossa era, foram compilados diversas coleções destas leis, quase sempre de alcance particular ou regional. Devido a esta circunstância, era comum haver preceitos contrários em coleções diversas, normas escritas numa região entravam em conflito com as de outra. Então, por volta do século XII, um monge de nome Graciano, uniu estas diversas compilações de normas e harmonizou-as, conferindo-lhe organicidade. Esta não foi uma iniciativa oficial da Igreja, mas o trabalho de Graciano foi muito importante na formação do Código de Direito Canónico, que conhecemos hoje.
No decorrer dos séculos seguintes, diversas normas novas foram acrescentadas, sem a preocupação de uní-las num único compêndio. Esta questão foi levantada durante o Concílio Vaticano I (1870) e o Papa Pio X nomeou uma Comissão Especial, coordenada pelo Cardeal Gasparri, para a tarefa de coligir e harmonizar este amontoado de normas esparsas. Após doze anos de trabalho, a Comissão reuniu toda a legislação canônica em cinco livros que passaram a compor o Código de Direito Canónico, promulgado pelo Papa Bento XV, sucessor de Pio X, em 27 de maio de 1917.
O Código de 1917 era, de facto, uma organização das leis anteriores, não tendo havido efectivamente uma tentativa de actualização delas. Por isso, as transformações histórico-sociais ocorridas na primeira metade do século XX trouxeram a necessidade de reformar as leis canónicas, com o objectivo de adaptá-las aos novos tempos. Portanto, em 1963, foi constituída pelo Papa Paulo VI uma nova Comissão com esta finalidade, tendo como presidente o Cardeal Ciriaci. Por expressa recomendação do Sumo Pontífice, o trabalho da Comissão deveria ter o cuidado especial de adequar as leis da Igreja à nova mentalidade e às novas necessidades dos fiéis cristãos nos dias de hoje. Após cerca de vinte anos de trabalho e compondo-se de sete livros, finalmente o actual Código de Direito Canónico foi promulgado pelo Santo Padre o Papa João Paulo II, em 25 de janeiro de 1983.

Fonte aqui

TRIBUNAL ECLESIÁSTICO


1. O que é um Tribunal Eclesiástico?


Dentro da organização da Igreja Católica, de acordo com o Direito Canónico, o poder supremo é exercido pelo Romano Pontífice. Ele é a Sé Primeira (o Supremo Tribunal) e não é julgado por ninguém (c. 1404). É um caso único no mundo de Tribunal unipessoal. Abaixo dele, está a Rota Romana, um Tribunal colegial, que julga como instância originária as causas referentes aos Bispos, Superiores Maiores das Ordens Religiosas, Dioceses e outras pessoas eclesiásticas, e julga em grau de recurso outras causas que lhe são destinadas pelo Direito Canónico. É possível qualquer fiel católico recorrer directamente à Sé Primeira. No entanto, por uma questão de organização interna, em cada Diocese, o juiz de primeira instância é o Bispo, que pode exercer este poder pessoalmente ou por delegação (c´. 1419). Em geral, o Bispo delega este poder a um Vigário Judicial e nomeia juízes eclesiásticos. O Vigário Judicial, em união com o Bispo, forma com os outros Juízes o Tribunal Eclesiástico Diocesano de primeira instância (c. 1420). O Vigário Judicial funciona como Presidente deste Tribunal Eclesiástico, que actua sempre colegialmente, em turnos de três juízes. Estes Juízes são, sacerdotes, sacerdotes, porém o Código dá a possibilidade das Conferências Episcopais nomearem juízes leigos (c. 1421).


2. Quais as causas julgadas pelos Tribunais Eclesiásticos?


Os Tribunais Eclesiásticos Diocesanos podem julgar todas as causas judiciais não reservadas directamente ao Romano Pontífice. Por exemplo, são reservadas ao Papa aquelas relativas a privilégio da fé, beatificação e canonização dos santos, à ordenação dos presbíteros. Em geral, as causas julgadas nestes Tribunais referem-se à separação dos cônjuges, declaração de nulidade matrimonial, imposição de excomunhão, delitos praticados por sacerdotes. Salvo exceções canónicas, o Tribunal sempre actuará colegialmente, ou seja, em turnos de três juízes.